sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O Carvalho

A madeira tem muitos mistérios!

Mais um post para o Zucca Gastrô. Desta vez o assunto é o uso de carvalho para a maturação dos vinhos. O assunto é extenso, mas nem por isso deixa de ser importante e prazeroso falar sobre ele. Acredito que, ao final, você poderá melhor perceber a importância do que foi exposto aqui, e também poder melhor apreciar uma taça com os amigos.

O hábitat natural do carvalho é o hemisfério norte temperado e subtropical. Estas árvores vivem vários séculos – algumas até mil anos, e atingem até 30 a 50 metros. São cortadas para fazer barris quando tem de 150 a 250 anos (30 m altura e 80 cm diâmetro).


O uso deste tipo de madeira para armazenamento de bebidas foi uma invenção dos gauleses (povo celta que habitava o território da atual França), no século III D.C. para transporte de vinho para Roma, em substituição às ânforas até então empregadas.

O maior produtor mundial de carvalho é a América do Norte, com mais de 700 milhões de metros cúbicos. A França produz mais de 400 milhões de metros cúbicos.

Localização das principais florestas:

EUA: Oregon, Missouri, Minnesota, Pensilvânia e Virgínia
FRANÇA: Limousin, Allier, Vosges, Never e Tronçais
EUROPA DO LESTE: Hungria, Lituânia, Rússia, Eslováquia e Ucrânia

O carvalho utilizado na produção de vinho pertence ao gênero Quercus, de diferentes espécies: Súber, Alba, Petrae e Robur.

Quercus súber, conhecido como carvalho corticeiro ou sobreiro, é a árvore da qual se extrai a casca para fazer rolhas.

Quercus alba  é o carvalho branco originário da América, inicialmente utilizado para envelhecer wisky e bourbons, e na atualidade muito utilizado para maturar vinhos.

Quercus petrae e robur são os carvalhos vermelhos, originários da França e sempre utilizados para maturar vinhos de qualidade.

O Q. Alba possui uma maior porosidade (grão mais aberto) devido a sua maior velocidade de crescimento e os petrae e robur são mais fechados. Por conta disso, a barrica de carvalho americana é mais barata que a de carvalho francês.

A barrica é feita a partir de duelas que são idealmente fabricadas pela prática de “hendidura” ou rachadura, o que permite abrir a madeira acompanhando as nervuras naturais. (evita a comunicação entre o interno e o externo das duelas). As fibras da duela partida ficam intactas.



É necessária uma secagem da madeira de 2 a 3 anos, no mínimo, para uma barrica de qualidade.

A madeira sofre então 2 queimadas: Queima de Aquecimento, que dura cerca de 25 a 30 min, para curvar as duelas, e a segunda chamada Queima de Tostadura para liberar os componentes gustativos e aromáticos da madeira:

São 4 os níveis de intensidade: Ligeira, Média (M), Média Escura (M+) e Forte.
  Mais usadas: M para os tintos e M+ para os brancos
                                         



Há interferência do gosto do vinhateiro e sua concepção para a escolha do tipo de barrica e sua tostadura? Claro! O famoso produtor Ângelo Gaja acha que o equilíbrio está com 40% do vinho em barrica nova e 60% em barrica de 1 ano, para os seus melhores vinhos.

Há que se destacar também que a profissão de Tanoeiro demanda sensibilidade e experiência, sendo muitíssimo valorizada pelas grandes vinícolas.

Muitos vídeos sobre Tanoaria estão disponíveis no youtube, mas quis destacar este, que dirige um outro olhar a esta antiga profissão:


Outros pontos importantes:
  • A vida útil de um barril, do ponto de vista da extração de aromas e aporte de taninos é de cerca de 3 anos.
  • Barris de carvalho têm alto custo e impacto direto no preço final de uma garrafa de vinho.
  •  Foram identificadas mais de 60 substâncias que a madeira libera no vinho.
  • Compostos odoríferos mais importantes do carvalho não-tostado:
                Lactona: madeira, côco e folhagem úmida de bosque (francês)

                Eugenol: cravo e especiarias (francês e americano do Oregon)

               Vanilina: baunilha (americano)

Observação: No carvalho Americano, os compostos de metiloctolactona e vanilina são quase iguais, determinando uma característica mais açucarada, com notas de côco e baunilha, menos complexas e delicadas.

Com o carvalho, o vinho sofre profundas modificações, ganha intensidade de cor, de taninos da madeira e compostos responsáveis pela complexidade aromática, (chamado de élevage em francês e crianza, em espanhol), pois é um meio de estabilização e de melhoramento da bebida.

Pois bem, mas como isso ocorre?

A porosidade da madeira determina intercâmbio entre o vinho e o oxigênio. O carvalho é levemente poroso, impermeável à líquidos, mas permeável a uma microoxigenação controlada. Assim, podemos concluir que os vinhos maturam em ambiente aeróbico e envelhecem na garrafa em ambiente anaeróbico, ok?



Esta microoxigenação leva à polimerização dos taninos, e, como consequência à uma diminuição da adstringência, produzindo vinhos mais aveludados. O que se quer com a oxigenação controlada é diminuir o teor de CO2, levando a uma lenta evolução de compostos fenólicos para a formação de aromas terciários.


A conclusão de tudo isso é que o armazenamento do vinho em barricas de carvalho determina a crucial relação do vinho com o oxigênio.
Mas, além disso, há uma modificação e estabilização da cor dos vinhos tintos, através da formação de copolímeros entre os antocianos (pigmentos coloridos da casca da uva) com taninos da madeira e com os taninos do vinho. Importante, não?

E quanto ao uso de "chips"? (lascas de carvalho misturados com o vinho). Isso existe também, claro. Eles funcionam para vinhos muito simples, de consumo imediato, que podem ganhar com esse aporte de aroma e sabor. Porém tendem a se perder depois de alguns meses do vinho engarrafado e não proporcionam a mesma qualidade das barricas, nem a microoxigenação.

Isto merece uma consideração. Uso de chips? Tudo bem, mas isso deveria ser descrito no rótulo do vinho, não? Os consumidores tem o direito de saber. É algo que precisa ser regulamentado sim.

Por fim, já passamos pela Era do Carvalho na produção de vinhos. Hoje o que se vê e o que se espera é que a essência da uva prevaleça, com vinhos com identidade e com diversidade.

Citando experts:

“A madeira pode violentar o vinho; mas, como qualquer tempero, pode dar mais qualidade a certos vinhos caso venha a combinar-se com eles harmoniosamente, em vez de chamar toda a atenção para si mesma”.
Guido Rivella


“Num bom vinho, tudo deve ser harmonioso; a qualidade sempre está vinculada a um jogo sutil de equilíbrios de sabores e aromas.”
Émile Peynaud



Espero que este texto possa , de alguma forma, ajudar no prazer de degustar o vinho, nosso principal objetivo. Saúde!!!

2 comentários:

  1. Excelente texto! Assisti dia desses numa viagem pela Europa a confecção de barricas! Um show!

    ResponderExcluir
  2. Obrigado Ivanir, por acompanhar o blog. Sejas sempre bem-vindo.

    ResponderExcluir